sábado, dezembro 11, 2010

The Dirty Old Man ou A mulher mais linda da cidade

Deve ter sido meus olhos já fechando pelo álcool e aquele resto de brilho de tempos menos duros, mas ela olhou para mim. Como quem olha um objeto estranho, destoante do lugar. Ela era a mulher mais linda da cidade dos meus tempos menos tristes, menos agudos. Olhos como um lago calmo que aparece miraculosamente entre ruínas de cidades fantasmas. Pele clara, virginal, daquela cor que a civilização perdeu e ficou só nas iluminuras dos codex monásticos.Entretanto, era aquele sorriso estranho e quase menosprezando a tudo, que destacava-se. Por isso, o inusitado da situação. Feio, suado e extremamente avesso a simpatia, eu seria o último homem da cidade a chamar sua atenção. Ainda assim, ela se aproximou e falou algumas palavras. Eu não entendia nada mas gostava do movimento daqueles lábios. Provavelmente falei algumas coisas que também ficaram misturados entre o som alto de um rock qualquer e os risos dos outros.Em certo ponto, eu a beijei.

Então, entendi: ela era o espírito de céus, de cheiro de canela, de sons harmoniosos de saxofones, mas era também um tempo passado, distante. Um tempo que não se presentifica entre lençóis queimados por cigarro, copos com marcas de batons de cores e formas diferentes, um corpo que insiste em morrer. Ela seria aquela dor que surgiria, de tempos em tempos, de tudo o que podia ter sido e nunca se foi. Uma miragem divina e uma cicatriz no peito a lembrar que, não importa o quanto se fuja, nunca se foge dos sonhos antigos e dos tempos que o sangue ainda corria limpo. Ela se virou, mais triste também e eu nunca saberei ao certo o que a levou até ali ou se ela de fato existiu além dos segundos em que a existência fez uma última piada.

10 comentários:

  1. Agora meu estômago está do tamanho de uma ervilha.

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  2. Não entendi o comentário...sei que é por minha burrice...

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  3. Só me lembrei depois de que "estômago pequeno" é uma expressão que uso com a Tertúlia e que muitos se perdem com nosso vocabulário. Desculpe.

    Estar com o estômago pequeno é sentir solidão ou rigidez indescritíveis, apesar de essas palavras não se encaixarem muito bem na explicação. Tem a ver com o fato de que gostei muito do que escreveu e que por isso precisei de mais vinho, de mais cigarros e mais chuva que o normal.

    Quis dizer que me comoveu extremamente.

    PS: Dirty Old Man é muito cruel.

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  4. Estava com vontade de "homenagear" o velho Bukowski. Nem leio mais, acho hoje chato, mas me acompanhou por muito tempo na adolescência...

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  5. Ainda não li todos os livros dele e acho que vou demorar para enjoar de suas obras. Nick Belane, por exemplo, me fascina, mesmo não havendo nada de fascinante nele...

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  6. Eu entrei num furacão chamado Grande Sertão: Veredas e não consigo mais sair...

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  7. Ah, entendi tudo.

    Está na minha lista, mas como eu ganhei quase toda a coleção dos clássicos da folha, vai ficar difícil. É capaz de eu ler cinco livros por vez, e não vai prestar... Mas estou meio inerte há um tempo...

    É a idade.

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  8. É a idade de ser um livro...mesmo que o final seja desconhecido...Os livros lá estarão...sem vivermos, eles nos dizem menos.

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  9. Brindemos ao Buk.
    Semioticamente, fez das minhas palavras extintas... Temporariamente.

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  10. Paola: sempre achei o silêncio mais eloquente do que os pobres signos que criamos para roubar o mundo da sua condição...

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