sábado, dezembro 25, 2010

deus

Quase quatro horas de sol, no pico, fizeram-no achar ser possível o esquecimento. Do que importa colocar o dedo na ferida? Sempre dói sempre mais em nós pois a ferida só está aberta aos nossos olhos. Sol, uma conversa sobre a infância, um panetone de chocolate. Sim, parecia plausível a ideia de uma vida sem o cinza, sem procurar a poeira debaixo do tapete, sem olhar o lado sujo das faces limpas.

Duas mergulhadas pelo escorregador na piscina e a vida abria-se: radiante, simples e completamente calculável: iria arrumar uma esposa, ainda havia tempo para ter um filho e definitivamente, compraria um terreno e, em alguns anos, teria seu próprio aconchego.

Ceiaria as festas sempre com sua família, afinal, a família deve e está pronta a perdoar e encarar tudo da mesma maneira: "É só mais uma extravagância dele". Sim, era isso que precisava. Do perdão incondicional de um mundo que já não importava tanto quanto os risos, os pássaros e a melancia fresca.
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Mas há deus. E ele é cruel. No mesmo dia, foi até a praia. Lá, viu aquilo que os seus olhos doentes buscam com avidez: a estupidez humana. O ser humano no seu mais baixo valor, procurando meramente uma forma de fornicar, como cães no cio. Carros tocando músicas de gosto duvidoso, piadas sexistas e cantadas tiradas de um biscoito chinês de má qualidade: ali, a fauna se acotovelava, em bicicletas, numa calçada, buscando avidamente uma recompensa pelas milhares de horas trabalhadas atrás de balcões, apertando parafusos, dizendo sim senhor, não senhor. Ali, a ralé se esbaldava, fazendo dívidas para serem pagas com mais suor, com mais submissão, sorridentes, como o louco que anda para a forca achando que vai passear no carrosel.

E deus dá aquele sorriso de quem sabe que a dor não é dos incautos. É dos que teimam em ver. Deus ama os cegos por uma razão: qualquer dia é um milagre.

A piscina, o filho, o sol... não nesse mundo, não com esse deus.

3 comentários:

  1. O que é que você foi fazer no inferno, quero dizer, na praia?

    Clichê de hoje: a ignorância é uma bênção.

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  2. Tá me fazendo desistir, não da família, essa ainda me faz querer ser algo, mas do ser humano, da praia... do funk eu já desisti

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  3. Não se acotovelou com a ralé, no balcão?

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