quinta-feira, novembro 25, 2010

Encontro marcado.

É no silêncio palpável e palatável,
que me desafio a me encontrar.
Não quero o sorriso fácil do encosto do ombro.
Quero a cara dura dos dias secos.
Essa visto bem.
Essa que não me encara pois meus olhos são ligeiros,
essa há de ser não só minha,
mas para mim.
Sei que não será num campo
de orquídeas ou mesmo de sol.
Será durante os latidos dos cães,
afoitos pelos sons das ruas e das sirenes.

Nesse breve intervalo me olharei.
Não o ser que quis e nunca,
nem o que foi e também mora no nunca.
Mas o pálido reflexo do que me resta entre os dedos:

os dias, longos dias, distraídos pelos sons dos cães.
As noites, longas noites, mais longas do que qualquer braço
amigo pode tocar.

terça-feira, novembro 23, 2010

Across the universe

Ela olhou a longa fila em torno do estádio e sentiu seu coração disparar ao ver barracas de souveniers com o rosto do seu ídolo. Quanta gente bela e vibrante. Bebiam, riam e tiravam fotos. Alguns atualizavam seus twitters sobre o que acontecia: desde o que comiam até as músicas que tocavam. Jovens, velhos. Homens e mulheres. Ainda iria demorar um longo tempo até o show e logo começou a chover. Ninguém parecia se importar.
Dançavam, em longas filas e a noite se iluminava bonita com o reflexo das luzes batendo nos grossos pingos. Muitos se beijavam. Ouvia-se risos em todos os grupos. Ela sentia-se incrivelmente sadia e diferente ali. Um grupo de rapazes, fortes, altos e barulhentos passou perto. Eles deveriam ter sua idade aproximadamente: 16 anos. Flertavam com várias garotas e despertavam sorrisos e um deles ganhou um beijo de uma delas, loira, magra e belíssima. Ouviram-se vivas e assobios. Ela sentiu seu coração encher-se de uma esperança doida: imaginou um desses rapazes se aproximando dela, dizendo gracinhas sensuais. Ela ficaria ruborizada, mas controlaria a vontade de olhar para os próprios pés e o encararia com uma confiança que ela não saberia de onde surgiu. Mas ali, próximo de tantas pessoas felizes, sabendo que ouviria as músicas que mais amava, ela se sentia renascida. Parecia até que estava se aproximando, minuto a minuto, do ápice de sua vida; daquele momento que a acalentaria até quando sua respiração fosse sua última ação nesse mundo...
Logo todos entraram e as portas se fecharam. Um longo silêncio foi rompido pela primeira música. Ela cantou junto, de olhos fechados, até que o policial montado em um cavalo a mandou ir vender flores em outro lugar pois ninguém poderia ficar parado em frente ao estádio. Ela tirou uma flor da cesta, deu ao constrangido homem-da-lei que quase não aceitou, pegou outra e jogou em direção ao estádio, pensando no seu ídolo. Foi embora cantando os últimos versos da música que já parecia distante: "Nothing is gonna change my world..."

quarta-feira, novembro 10, 2010

Os passantes

O que amamos não é uma projeção de nossas necessidades ou nossas supostas qualidades, e afinal, uma imagem que nunca poderá ser ela-mesma e somente um momento fugidio? Baudelaire com Une Passante, não mostrou essa necessidade humana de transformar o etéreo em matéria, o transcendente em próximo, o Cronos em Kairós? E ao fazer, ao captar aquele momento e saber que nunca mais o teria, paradoxalmente não criou um fetiche sobre um objeto, que nesse caso é a própria desesperada tentativa de congelar a imagem? Dessa forma, aquele eu-lírico sentado burguesamente na cidade da velocidade é o mesmo homem que lucra com o tempo e com a tal velocidade? Assim, somos todos o eu-lírico de Une passante, na medida que entendemos nossa existência somente com os dados objetivos, que tornam-se universais somente enquanto mensuráveis. Assim, nenhum de nós, sem a consciência da "doença da imagem", é esse eu-lírico, pois tentaríamos correr atrás da imagem, tomá-la nos braços, colocar uma aliança em seus dedos e exigir que seu corpo físico dure o máximo possível próximo à imagem que críamos e captamos dele. Quando começasse a envelhecer, iríamos novamente nos sentar ao café, esperando pela próxima imagem fugidia que nos levasse distante da nossa própria: em franca decadência e sempre menos valiosa aos outros do que é a nós.Quem passa somos nós, nesse mundo que o corpo biológico ganhou anos e as ações e seus valores tornaram-se contáveis e cambiáveis, dependendo do valor do dólar. Passamos e ninguém nos vê. Não temos um eu-lírico nos observando, nos salvando e nos justificando além do tempo da ampulheta.

terça-feira, novembro 09, 2010

Prometeus

Tendo vivido muito, e muito disso levaria ao desespero ou às lágrimas a maioria das pessoas, j.e. criou uma armadura de rudeza, desprezo e insolência, que combinava bem com o cigarro no canto da boca. Não se entenda mal: não era uma imagem forçada o olhar às vezes parado num ponto invisível admirando o nada, a estagnação. Era um olhar de quem viu muito e reviu as mais das vezes em sua mente, inquieta, perspicaz, mas também solitária. Qualquer que fosse sua escolha de vida, seria um lance de dados, movido pelo impulso do jogo e não do ganho: perder era até mais atrativo, fazia muito mais sentido.
Como acontece com todos, j.e. um dia se apaixonou. Não era uma novidade, mas era uma intensidade rara. Mediou-se então sempre por esse amor: fez a barba, colocou uma camisa limpa e passada e o tempo passou. O sol nunca favoreceu a petrificação do único, a preservação do querido, do valioso. Continuou sua rota,impassível, distante dos passos ínfimos de j.e.. Este, olimpicamente,quis tal qual os deuses primordiais, derrotar seu inimigo: criou datas, levou flores, armou um castelo de suspiros e amanhãs.
Perto do topo, seu coração humano bateu forte demais, tirando do sono eterno o Monstro, criatura que guarda a casa dos deuses. Talvez o brilho decidido, talvez o urrar do desespero de se sentir dono do seu destino, fizeram a criatura enternecer-se por j.e.. Ofereceu-se para ajudá-lo a derrotar os próprios deuses, com a condição de levá-lo junto e cumprir sua sina conquistada. j.e. concordou, com um sorriso infantil de tardes de sábado de tempo calmo.
Quando adentraram no lar dos mais altos, encontrou um espelho e um bilhete: "Olhe-se e continue se puder". Ao levantar seus olhos, já havia lágrimas de quem sabe a batalha perdida. Era tarde. Sua humanidade o prenderia para sempre naquele tempo e espaço que alguns chamam de utopia; outros de sangue. Entendeu, enquanto retornava, da casa do seu ex-amor que ele era o reflexo do próprio sol, e a chuva sua tristeza que nunca teria fim.

terça-feira, novembro 02, 2010

Pensamentos antes de dormir

> Um cigarro é melhor companheiro do que uma pessoa.
> Uma pessoa é melhor companheira do que um periquito.
> Um periquito é melhor companheiro do que a pessoa que não sabe quando ir embora.

> E a vida segue seu rumo... Tens fósforos?

Vida inteligente

De todas as espécies, classificadas por eles mesmos como animais, eles são de fato únicos: inventaram para si sistemas que os controlam em grupos, alguns lógicos, outros nem tanto. São tão ilógicos a maioria desses pretensos controles, que precisam colocar por escrito e de grupos para controlar a execução e a própria compreensão. Por milênios, adaptam suas necessidades de evolução aos seus sistemas. Isso os torna únicos porque contrariam muitas vezes a própria natureza da evolução: sem algumas dessas leis, sem dúvidas seriam uma espécie menos populosa e melhor adaptada ao mundo em que vivem e o que criaram.
Criaram, como suas crianças, uma espécie de jogo chamado “economia”, que os divide entre os que possuem o “dinheiro”, objetivo desse jogo, e os que não possuem. Não satisfeitos, dentro desses mesmos grupos, encontraram outras maneiras de distinção: altura, cor de olhos, cor de cabelos, peso. Numa combinação entre esforço pessoal e loteria genética, inventou-se um modelo de ser ideal, que se impôs sobre todos os outros modelos. Interessantes animais, esses.
O mais interessante, do ponto de vista histórico e evolutivo, é notar que o mundo idealizado por eles não consegue eliminar ainda o fator da sua própria natureza: são no fundo, animais como os das outras espécies que vivem nesse improvável planeta. Entretanto, mais cruéis, já que possuem a capacidade de causar dor sem nenhum intuito razoável ou lógico: não estão defendendo um território ou marcando seu espaço; simplesmente causam dor porque podem. Ainda não se encontrou nada similar nessa biosfera.
Há alguns centros em que seu conhecimento acumulado por milênios é passado para alguns “eleitos”. Esses passam por uma prova eliminatória, extremamente disputada, vencida na maioria das vezes por aqueles que fazem parte do grupo dos já vencedores do jogo chamado “economia”. Seria uma espécie de centro que privilegiaria os melhores entre os melhores, treinando-os para ser ainda melhores. Seria, pela lógica que aqui adquire outros sentidos, um sistema que formaria aqueles que poderiam corrigir, adaptar, melhorar a sobrevivência caótica de sua espécie. Afinal, toda espécie precisa de um clã dominante, eleito por suas qualidades para dirigir os restantes.
Por isso, o relato a seguir será seguido de ausência de análise posto que é ininteligível e impossível de ser comparado com qualquer outra manifestação já registrada . Espera-se que em algum momento o silêncio aqui devotado ao desconhecido possa ser preenchido por alguma explicação que não seja a constatação de que há no universo visível e invisível, forças autodestrutivas, pois contrariaria todo o propósito físico até então registrado. Uma supernova se consome para recriar matéria negra e manter o equilíbrio de vastidões do espaço. Algumas espécies se consomem para garantir a sobrevivência de poucos membros e de sua própria história,, do seu conhecimento. O relato a seguir não tem explicação e foi retirado de um dos veículos que eles usam para se comunicar:

“ Universitários da UNESP fazem Rodeios de Gordas: incentivados por milhares de outros, alguns universitários montam sobre meninas obesas até derrubá-las, como se elas fossem gado. Aos gritos de “Pula, gorda”, “Eia, balofa”, os rapazes tentam ficar o maior tempo montados sobre meninas acima do peso, enquanto os outros estudantes vibram e gritam palavras de apoio aos ´cowboys’, entre eles, muitas meninas. A direção da universidade irá investigar, mas já declarou que “o espírito da universidade é incentivar a competição e a socialização dos estudantes que serão no futuro, os líderes de seus ramos’. “

Para constar: não houve nenhum tipo de punição.

Se em algum momento essa biosfera tornar-se necessária para a colonização, recomenda-se a eliminação dessa espécie.