segunda-feira, dezembro 13, 2010

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As olheiras eram sinceras, assim como um sorriso de quem matou alguém ou alguém morreu. A fumaça era farta, tanto quanto o som de garrafas sendo abertas e consumidas. Eles não se conheciam de verdade. Eles se conheciam naquele ambiente controlado das palavras inteligentes, das músicas escolhidas à dedo, dos livros que podiam ser a qualquer momento deixados embaixo da cama. Ela era ainda pouco curtida pela vida, apesar de estar numa velocidade absurda e olhar para tudo com a curiosidade do recém-nascido: cometa. Ele era mais curtido, mas estava arrastando-se com os pés pesados e olhava tudo como se fosse o homem mais antigo do mundo: meteoro.
Pois esses astros tão aparentados mas tão diferentes um dia entraram em rota de colisão.O dia do som das garrafas, creio. Era a velocidade contra a massa sólida. Um físico explicaria isso sem nenhum olhar poético e estaria certo. Corpos em colisão tendem a se atrair pela gravidade e aumentar a velocidade quanto mais se aproximam. Paradoxo: é isso que garante que a destruição é iminente. Um poeta diria que Orpheu se volta para olhar Eurídice para garantir que ela está bem: se afastam e o semideus irá garantir a eternidade dessa troca de olhar fugaz pela lírica que invadirá o imaginário da humanidade. Não sendo físico nem poeta, chamaria de "lei da vida": entenda-se como se quiser, cada um com sua própria lei.
Há um momento, o qual chamarei de momento "0": nesse, todas as músicas são de comum acordo; todas as carícias são sentidas com um frio na barriga; todos os olhares são mútuos. Um físico dirá que só existe um momento "0" pois antecede alguma outra reação. O universo, continuará, é uma reação, que começou lá atrás, no Big Bang. Somos então, mero retorno. Um poeta dirá que será esse o momento único, que ilustrará toda uma vida e será suspirada no leito de morte. Somos então mera melancolia. Eu direi que tenho poucas fichas para qualquer aposta mas sei que se existe uma coisa que o ser humano me causa, é o espanto. Não a surpresa, mas o espanto. Entenda-se como se quiser, cada um com seu próprio espanto.

4 comentários:

  1. Espantei-me! Que texto! Por isso acho melhor o cara que vende tênis voltar, preciso rir de algo bem besta...

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  2. O cara não vende tênis, lesado. O cara é tenista, o que é pior...Mas imagino que algum programa descubra, depois de um tempo, blogs e mande essas palhaçadas...O que também achei bom, apesar de ser chutar, premeditadamente, cachorro morto...

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  3. é verdade, voltei lá e li direito. o spam é spam-atleta.

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  4. Você, tecnicamente, roubou meu final. Antes que possa pensar que não gostei disso, digo que gostei sim.

    Não sei dar nome para isso que você tem de captar certas coisas pela essência. Digo, de descrever a essência das coisas e captar pela essência quem presta atenção ao que você diz/escreve.

    Parabéns, perdi meu estômago.

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