sábado, dezembro 04, 2010

B.

Lentamente devorando uma coxinha, ela tentava se lembrar da lista completa de compras: "sabão em pedra, cebola, ovos, um docinho para alegrar o dia, comida para Julio, o gato, talvez dois docinhos, agulha e linha para arrumar uma saia, três docinhos parecem uma ideia decente..."Súbito, para poucos desafortunados, ela viu um rosto e dois pares de olhos em sua direção: "B.", ela deu-se conta, sem a certeza. Sentiu sua boca secar e parou de mastigar. "Quantos anos?" . A música daquela noite era "Cheek to cheek", cantada como um anjo por Ella Fitzgerald. Ecoou depois por anos, até encontrar uma sombra na memória e lá se esconder. Bebeu naquele dia um dry martini e uma gota parecia estar descendo ainda no momento.E as gotas de lágrimas de B. Ela não sabia dizer o porque mas deixou de sentir atração por ele. Mas gostava muito do seu jeito, do seu coração e queria continuar sendo sua amiga. Pelo menos foi o que ela disse, mesmo não significando cada letra como verdadeira. Ele nada disse. Ou disse, naquela lágrima gorda que deixou um rastro iluminado pelas luzes da vitrine da loja de fogões ao lado. Ela ainda lembra do suspiro que deu ao vê-lo se virar...
Limpou a boca com rapidez pois o homem estava vindo em sua direção. Aí, sentiu o coração num descompasso louco e quase pulou da cadeira para abraçá-lo, tomada pela certeza de que B. era o homem que nunca surgiu depois, e hoje, sem sua beleza da juventude, seu medo era morrer e o gato se alimentar de seu corpo. B. era o homem que abriu seu coração e deu-lhe o diamante em forma de água, mas ela era jovem, cheia de sonhos e vontades. Ele era aquilo que impediria os dias se esvaírem sem cor, sem som e sem memória.
Não era B.

2 comentários:

  1. Eu estava baixando Ella Fitzgerald assim que passei por aqui, mas era uma versão dela de "Everytime We Say Goodbye".

    Gostei muitos das postagens.

    R.

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  2. A última resistência que eu tenho em desacreditar da humanidade é Ella e companhia.

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