segunda-feira, dezembro 13, 2010

Dar as costas ao espelho


Chega um tempo que não se diz mais: meu amor, diria um poeta. Esse tempo não chega, ele nos é. Nos domina, lentamente, como uma cobra que nos abraça, carinhosamente, até nos transformar em pasta e nos devorar. Lembro-me de uma bronca por causa dessa imagem: o oroboro. O fim é o início e vice-versa, numa temporalidade circular, mítica. Assim, cada passo há de encontrar o primeiro e o último. Fazemos dessa andança uma corrente, que nos aprisiona no mesmo lugar, mesmo quando nossos olhos parecem focar longe.

Chega um tempo de dizer: não há mais nada a dizer. Tempo de olhar a estrada de perto novamente, tentar sentir o sol na pele, rir do fato de ainda se rir. Fingir que na luta entre a vida e a morte, nosso ser que escorre por nossos dedos ainda aqui está. Sabe-se lá aonde o nariz irá apontar. Sabe-se lá quantas músicas serão cantadas (ainda se canta na estrada?). sabe-se lá se dessa vez haverá o caminho de retorno.

Chega um tempo em que importa é sentir qualquer vento batendo na cara, mesmo que seja em direção ao muro. Que importa? Somos aquela pegada pisada e repisada e, em certo ponto, haverá chuva, haverá bichos, haverá plantas, haverá homens cortando as plantas e então nada mais haverá. Isso acalma o meu demônio, à noite. Isso desperta a última viagem, aquela que nada pode dar errado pois não importa para aonde se vai. Importa ir. Importa que, olhando para trás, já veja as nuvens se formando, prontas para seu beijo delicado e que irá apagar os rastros que ficam.

Chega um tempo em que as palavras roubam o mundo e elas precisam se calar...

5 comentários:

  1. E "os ombros suportam o mundo/ e ele não pesa mais que a mão de uma criança".

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  2. Acho que estou caminhando em direção a esse 'tempo'...

    "A mim a solidão da noite infinda!
    Possa dormir o trovador sem crença"

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  3. Mas espero, que eu tenha entendido erroneamente este post. Sinceramente.
    Espero que este não seja um post de despedida...

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  4. Sim, ainda se canta na estrada. Talvez sejamos os únicos, quem sabe?

    Imagino que as palavras criem uma realidade paralela que chega a ser, às vezes, terrivelmente inalcançável. Frequentemente me flagro pensando/percebendo que meu mundo não é aqui...

    Se te calares
    (ou as palavras cessarem),
    calar-se-á uma parte de mim,
    pois o espelho esfumaçado é,
    no fim,
    o que melhor (nos)reflete.

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  5. Eu só cansei de me olhar...narciso morre tentando captar a imagem...

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