quinta-feira, abril 12, 2012
Queria nunca mais escrever nada que tivesse um "eu". Mas também não tenho a técnica refinada o bastante, nem o temperamento generoso, para narrar algo como se fosse um rapsodo. Enfim, o que faço com as palavras ultimamente é rodá-las, de um lado ao outro do cérebro, esperando ouvi-las ou vê-las. Nesse exercício, meu corpo ainda se torna menos diapasão e mais o muro seco e sem reboco, a cruzar de ponta a ponta uma rua. Sadisticamente, ergo esse muro-eu quase alto o suficiente para tampar qualquer visão, deixando uma fresta em que se vislumbre algo parecido com uma luz. Não se pode ver nada, no entanto, só o que parece algo colorido e vivo. Alguns chamarão de pré-poesia. Eu chamarei de epifania cíclica do fracasso deste eu que insiste em querer ser o filtro de si mesmo. Por isso, agora faço puro escarnio deste eu que vos fala. Assim, quem sabe, me encontro novamente.
terça-feira, abril 10, 2012
Abraços
Chegará o dia dos rugidos e seremos livres. Não mais contarão quantas vezes fizemos o outro sorrir, nem quantas vezes nos ajoelhamos para o idolatrar. Cessarão os movimentos de mãos em direção a mãos, de pés tentando acompanhar pés, de quadris se oferecendo a outros quadris. Jogar-se-á pelas janelas, em júbilo infernal, as listas com telefones de pessoas que nunca se viram; os bilhetes de espera por alguém que nunca virá e, quando vêm, não sabemos seu rosto; as fotos de extensões genéticas que se afastaram sem olhar para trás.
A mentira que se criou, quando o fraco temeu o forte, pela palavra e na palavra, será finalmente calada pelo rugido. Não mais olharemos aos céus com lágrimas beatas sofridas, nem louvaremos pela fraca condição humana. Acenderemos um cigarro, sim, mil cigarros, pela morte sem culpa e sem remorsos que construiremos graças ao calor do dia. Nus, rolaremos como animais uns sobre os outros, despejando litros de novos maquinários fecundados em fornos de produção baratos, ou como se diz antes do rugido, no ventre.
Não haverá mais longas palavras, nem longas frases, nem ideias que se perdem ao vento, entre um som que emana de cada célula animal e a vontade sem limites e sem razão do amanhã. Devoraremos uns aos outros, guardando o máximo de energia para algo que nem mais se nomeia: apocalipse, falta de recursos naturais, estratégia de sobrevivência? Nomes para que e quem? Ouvir-se-á, no escuro, o rangir dos cães fugindo de cães maiores ainda.
E não mais haverá um Filho, nem um Príncipe. Quem sabe, havendo Deus, e Ele ainda querendo aproveitar da humanidade, não haverá alguma bactéria que deixará sobrar apenas alguns, por algum critério misterioso, mas que ao fim e ao cabo, será o dia um antes do final, que antecederá o dia um antes de outro final, num ciclo infindável de ruídos e parábolas; de dentes afiados e sorrisos polidos; de mãos arrancando membros e apertos de mãos de pais e filhos?
O rugido precede ao abraço que precede ao rugido.
A mentira que se criou, quando o fraco temeu o forte, pela palavra e na palavra, será finalmente calada pelo rugido. Não mais olharemos aos céus com lágrimas beatas sofridas, nem louvaremos pela fraca condição humana. Acenderemos um cigarro, sim, mil cigarros, pela morte sem culpa e sem remorsos que construiremos graças ao calor do dia. Nus, rolaremos como animais uns sobre os outros, despejando litros de novos maquinários fecundados em fornos de produção baratos, ou como se diz antes do rugido, no ventre.
Não haverá mais longas palavras, nem longas frases, nem ideias que se perdem ao vento, entre um som que emana de cada célula animal e a vontade sem limites e sem razão do amanhã. Devoraremos uns aos outros, guardando o máximo de energia para algo que nem mais se nomeia: apocalipse, falta de recursos naturais, estratégia de sobrevivência? Nomes para que e quem? Ouvir-se-á, no escuro, o rangir dos cães fugindo de cães maiores ainda.
E não mais haverá um Filho, nem um Príncipe. Quem sabe, havendo Deus, e Ele ainda querendo aproveitar da humanidade, não haverá alguma bactéria que deixará sobrar apenas alguns, por algum critério misterioso, mas que ao fim e ao cabo, será o dia um antes do final, que antecederá o dia um antes de outro final, num ciclo infindável de ruídos e parábolas; de dentes afiados e sorrisos polidos; de mãos arrancando membros e apertos de mãos de pais e filhos?
O rugido precede ao abraço que precede ao rugido.
domingo, março 04, 2012
Aula
Ao amanhecer, debruçado na janela, sei que não há campos pela frente. Tudo que vejo é um isolamento conveniente, que as imagens de centenas de edificações distantes, de cores e tamanhos diferentes, me causam. É bom ser distante e ainda melhor ser ínfimo. Pena que descobrimos tarde demais, quando já colocamos nossa cabeça para de fora da janela e gritamos desesperadamente nosso nome, como um antigo e divino troféu. Nosso nome, que achamos que diz mais que qualquer outro nome, só não é mais patético do que tal ideia. Daqui, isolado nesse prédio e invisível para os passantes lá embaixo, sei que não há nada pela frente, além dos minutos que faltam para que se finde a jornada diária de pão e mentira. Antes disso, me volta para uma classe, cheia de olhares que não me veem e não mais brilham, e, num segundo ínfimo, finjo que partilhamos de alguma luz sobre esse absurdo que séculos ilustraram com o nome de vida.
Durante esses breves segundos, rompidos com o tempo cronológico, imagino-me endireitando minha coluna, tirando o pó de sobre meus ombros caídos, colocando os óculos de lentes baças de lado, e uma insuspeita voz permite-me banir a mediocridade do mundo. É uma sensação elétrica, que irrompe por todo o recinto. De súbito, os outros corpos que ali jaziam recuperam uma energia há muito escondida sob o véu do papel social comprado em bancas de revista, sob o olhar de um deus que há muito nem se lembra de sua criação, escondida sob a desaprovação diária de outros corpos que lutam para existir sobre outros corpos. Já não ando, marcho decidido por entre carteiras que derrubo a pontapés violentos, enquanto simplesmente palavras se formam com a força de um trovão primitivo: poderia ser desde o primeiro discurso contra um predador maior, quanto a manifestação da vitória ao dominar o fogo. Não importa. O que digo, com toda a força que um pulmão decadente e corroído pela nicotina dos anos não pode aprisionar, ilumina aquele momento.
Em breves segundos, passamos a reconhecer em cada um o inimigo e o amante; o assassino e o pai; o silêncio e o diálogo.Não somos mais um mero papel e um mero interposto entre o nascer e o morrer. Somos um fogo com a força de destruir e construir.Podemos incendiar Roma e construir Paris. Podemos escurecer o dia e iluminar a noite. Minha pele já não mais me suporta. Tratada com o desprezo do colchão bolorento e as carícias compradas por garrafa de álcool, rompe-se para deixar um novo ser surgir. Intocado pelo desprezo, armado com a pureza do novo, não há mais necessidade de nenhuma roupa, costurada pela técnica adquirida pela ganância e astúcia, escondê-la. Logo todos são novos ali também e são o irmão e o andarilho; o generoso e o ladrão. Sentimo-nos prontos para recomeçar e de fato, existir.
Mas toca um alarme inaudível, avisando que o tempo é findo. Abaixo meus olhos para a mesa e digo, com uma voz saída de um corpo morto e desabitado de qualquer resquício de heroísmo ou força que é necessário ler uma página qualquer de um texto qualquer. E todos fingem ouvir e seguem arrastando o mundo sob sua poeira.
Durante esses breves segundos, rompidos com o tempo cronológico, imagino-me endireitando minha coluna, tirando o pó de sobre meus ombros caídos, colocando os óculos de lentes baças de lado, e uma insuspeita voz permite-me banir a mediocridade do mundo. É uma sensação elétrica, que irrompe por todo o recinto. De súbito, os outros corpos que ali jaziam recuperam uma energia há muito escondida sob o véu do papel social comprado em bancas de revista, sob o olhar de um deus que há muito nem se lembra de sua criação, escondida sob a desaprovação diária de outros corpos que lutam para existir sobre outros corpos. Já não ando, marcho decidido por entre carteiras que derrubo a pontapés violentos, enquanto simplesmente palavras se formam com a força de um trovão primitivo: poderia ser desde o primeiro discurso contra um predador maior, quanto a manifestação da vitória ao dominar o fogo. Não importa. O que digo, com toda a força que um pulmão decadente e corroído pela nicotina dos anos não pode aprisionar, ilumina aquele momento.
Em breves segundos, passamos a reconhecer em cada um o inimigo e o amante; o assassino e o pai; o silêncio e o diálogo.Não somos mais um mero papel e um mero interposto entre o nascer e o morrer. Somos um fogo com a força de destruir e construir.Podemos incendiar Roma e construir Paris. Podemos escurecer o dia e iluminar a noite. Minha pele já não mais me suporta. Tratada com o desprezo do colchão bolorento e as carícias compradas por garrafa de álcool, rompe-se para deixar um novo ser surgir. Intocado pelo desprezo, armado com a pureza do novo, não há mais necessidade de nenhuma roupa, costurada pela técnica adquirida pela ganância e astúcia, escondê-la. Logo todos são novos ali também e são o irmão e o andarilho; o generoso e o ladrão. Sentimo-nos prontos para recomeçar e de fato, existir.
Mas toca um alarme inaudível, avisando que o tempo é findo. Abaixo meus olhos para a mesa e digo, com uma voz saída de um corpo morto e desabitado de qualquer resquício de heroísmo ou força que é necessário ler uma página qualquer de um texto qualquer. E todos fingem ouvir e seguem arrastando o mundo sob sua poeira.
terça-feira, dezembro 27, 2011
Novo livro de filosofia
Ainda tenho olhos, mesmo acanhados por detrás de óculos cada vez mais grossos. Ainda tenho a pele, cada vez menos sensível ao toque do outro, como se surgisse por debaixo escamas. Ainda respiro, de quando em quando, com um pouco mais de esforço do que o mecânico de enviar algum oxigênio para dentro do corpo que me move. Move, com cada vez menos empatia e menos sangue: as pernas preferem, por hábito e por filosofia recém-descoberta, ficar prostradas em posição de 3:50. Sinto, não saberia mais dizer o porquê, como se fosse um mero mecanismo de carne cada vez mais flácida e vontade mais fleumática; sinto como se tivesse me entregado sem resistir. Mas isso é de outro livro, não o novo.
Sei, mais por inércia do que por cognição voluntária, do mundo em geral. Ainda sinto o gosto de cerveja, mas de quando em quando: não se deve relaxar o espírito, diz meu novo livro de filosofia, ainda não escrito por ninguém, mas que vou reconhecendo no olhar dos outros. Não se deve relaxar, pois haverá o dia do algo. Nesse, tenho minhas próprias imagens e minha própria trilha sonora. Não me entrego mais: meu livro, lido no olhar dos outros, diz que devemos nos preservar, moldar nossos sorrisos no ângulo exato que construa um agudo com o sorriso do homem à direita, sem deixar de fazer um semi-círculo com os cílios da mulher logo a frente. É difícil essa nova filosofia, e por vezes quase abri mão dela. Mas resisto.
Outros tempos, precisava de razões, motivos, motivações para me movimentar. Aprendi, na sabedoria dos apertos de mãos, dos abraços em reuniões, das vozes que soam num misto de alegria e consternação (essa voz eu treino sozinho, durante o banho, mas confesso que ainda não dominei tal técnica), que as palavras "missão", "tática empresarial", "fator de propaganda", e outras expressões que soam parecidas, são ditas nas mesmas frases e pelas mesmas bocas- donas das mãos que apertam com força e alegria - que nos dizem que estamos mais magros, mais jovens, mais alegres. A minha nova filosofia contraria a lógica biológica, social, histórica, mas ao menos diminuí a quantidade de sobrancelhas que se levantavam em minha direção. O novo livro garante minha subsistência e parece fazer a todos extremamente certos e seguros de si, até porque só existe uma ideia, um objetivo: a construção da equipe. Tenho quase certeza de que a equipe é meu porto seguro, e ganhamos todos: eles me ajudam e eu os ajudo.
O vocabulário desse novo livro, que tenho me esforçado para entender, é limitado, mas cada palavra serve exatamente igual as outras: ocupam um espaço importante, de tempo e de articulação de ideias, sem o que, teríamos que voltar ao tempo de ter que ver as coisas de fato e dizer, absurdo, as coisas como elas são. E mais importante: não é o significado que importa. É o tom e a forma como ela é dita. Um exemplo: "Nossos esforços devem ser no sentido de manter a coesão social e garantir que nossas ideias sejam compreendidas e satisfaçam a todos, mantendo o stablishment e o status quo, dentro da lógica das múltiplas inteligências ". Escrito, não parece grande coisa. Entre lágrimas, ressaltando os pronomes pessoais possessivos(nossos, nossas), entrelaçando as mãos como se significasse a tal união, causa um grande efeito. Gosto desse novo livro. Já tentei fazer o mesmo dizendo para um grande público a frase seguinte e causou grande emoção, lembrando da regra do uso generoso da ideia de coletividade, de objetivos, de usar expressões estrangeiras, de adjetivos : "Nossa pizza de muzzarela com aliche, é prova do nosso esforço e nossa capacidade digestiva excepcionalmente treinada desde o paleolítico".
Às vezes, sonho que o dia do algo não será a mera repetição do dia anterior, como os olhares insistem em me tranquilizar. Sonho que haverá um grito primordial, vindo do grupo que se esquentava num clichê de lata de ferro, debaixo de uma ponte, e que eles, tal qual os primatas de 2001 de Kubrick, erguerão seus instrumentos e começarão uma onde de violência e destruição, que, como uma gripe, se alastrará. Será a ideia da equipe difundida ao limite. Coerente.E haverá uma trilha sonora distante, soando abafada, debaixo da cama e será eu mesmo, rindo do absurdo que toda a filosofia do mundo ajudou a construir, ajudada com afinco pelos nossos corpos que, de vez em quando, ainda tentavam nos dizer e nos mostrar as coisas que cada vez menos queríamos e podíamos ver.
Sei, mais por inércia do que por cognição voluntária, do mundo em geral. Ainda sinto o gosto de cerveja, mas de quando em quando: não se deve relaxar o espírito, diz meu novo livro de filosofia, ainda não escrito por ninguém, mas que vou reconhecendo no olhar dos outros. Não se deve relaxar, pois haverá o dia do algo. Nesse, tenho minhas próprias imagens e minha própria trilha sonora. Não me entrego mais: meu livro, lido no olhar dos outros, diz que devemos nos preservar, moldar nossos sorrisos no ângulo exato que construa um agudo com o sorriso do homem à direita, sem deixar de fazer um semi-círculo com os cílios da mulher logo a frente. É difícil essa nova filosofia, e por vezes quase abri mão dela. Mas resisto.
Outros tempos, precisava de razões, motivos, motivações para me movimentar. Aprendi, na sabedoria dos apertos de mãos, dos abraços em reuniões, das vozes que soam num misto de alegria e consternação (essa voz eu treino sozinho, durante o banho, mas confesso que ainda não dominei tal técnica), que as palavras "missão", "tática empresarial", "fator de propaganda", e outras expressões que soam parecidas, são ditas nas mesmas frases e pelas mesmas bocas- donas das mãos que apertam com força e alegria - que nos dizem que estamos mais magros, mais jovens, mais alegres. A minha nova filosofia contraria a lógica biológica, social, histórica, mas ao menos diminuí a quantidade de sobrancelhas que se levantavam em minha direção. O novo livro garante minha subsistência e parece fazer a todos extremamente certos e seguros de si, até porque só existe uma ideia, um objetivo: a construção da equipe. Tenho quase certeza de que a equipe é meu porto seguro, e ganhamos todos: eles me ajudam e eu os ajudo.
O vocabulário desse novo livro, que tenho me esforçado para entender, é limitado, mas cada palavra serve exatamente igual as outras: ocupam um espaço importante, de tempo e de articulação de ideias, sem o que, teríamos que voltar ao tempo de ter que ver as coisas de fato e dizer, absurdo, as coisas como elas são. E mais importante: não é o significado que importa. É o tom e a forma como ela é dita. Um exemplo: "Nossos esforços devem ser no sentido de manter a coesão social e garantir que nossas ideias sejam compreendidas e satisfaçam a todos, mantendo o stablishment e o status quo, dentro da lógica das múltiplas inteligências ". Escrito, não parece grande coisa. Entre lágrimas, ressaltando os pronomes pessoais possessivos(nossos, nossas), entrelaçando as mãos como se significasse a tal união, causa um grande efeito. Gosto desse novo livro. Já tentei fazer o mesmo dizendo para um grande público a frase seguinte e causou grande emoção, lembrando da regra do uso generoso da ideia de coletividade, de objetivos, de usar expressões estrangeiras, de adjetivos : "Nossa pizza de muzzarela com aliche, é prova do nosso esforço e nossa capacidade digestiva excepcionalmente treinada desde o paleolítico".
Às vezes, sonho que o dia do algo não será a mera repetição do dia anterior, como os olhares insistem em me tranquilizar. Sonho que haverá um grito primordial, vindo do grupo que se esquentava num clichê de lata de ferro, debaixo de uma ponte, e que eles, tal qual os primatas de 2001 de Kubrick, erguerão seus instrumentos e começarão uma onde de violência e destruição, que, como uma gripe, se alastrará. Será a ideia da equipe difundida ao limite. Coerente.E haverá uma trilha sonora distante, soando abafada, debaixo da cama e será eu mesmo, rindo do absurdo que toda a filosofia do mundo ajudou a construir, ajudada com afinco pelos nossos corpos que, de vez em quando, ainda tentavam nos dizer e nos mostrar as coisas que cada vez menos queríamos e podíamos ver.
sábado, agosto 13, 2011
RESPOSTAS
Dançar tango em Paris.
Comer ravióli em Lisboa,
Jogar rosas no Nilo,
sentar em frente ao Coliseu.
Por que meus demônios são noturnos?
Por que a insatisfação esgueira-se no silêncio?
Por que o pulsar do coração é insistente?
Por que criamos deuses se somos pó?
Andar de mãos dadas em público.
Escrever sonetos alexandrinos.
Amar com palavras de conforto.
Amar com gestos de símio.
Quando será que nada mais será sensação?
Quando o breu será meu irmão?
Quando os passos irão para a distância?
Quando nunca mais haverá verão?
Ter conta em banco exclusivo.
Falar idiomas com sorriso.
Usar os pronomes com exatidão.
Lembrar de datas particulares.
Quem enxerga o que eu não sou?
Quem iniciou a mentira?
Quem revelou a verdade?
Quem abriu a boca e se comunicou?
Calcular os passos com precisão.
Almoçar com máscara e não sujar de macarrão.
Escolher nomes para os que virão.
Ler a mente alheia e responder de prontidão.
O que justifica a lua?
O que se faz em nome do infinito?
O que é a morte?
O que sou?
E tudo que ela me pede
é que eu acaricie suas costas,
antes de dormir sorrindo.
E responde todas as perguntas,
mesmo as que ainda não fiz.
Comer ravióli em Lisboa,
Jogar rosas no Nilo,
sentar em frente ao Coliseu.
Por que meus demônios são noturnos?
Por que a insatisfação esgueira-se no silêncio?
Por que o pulsar do coração é insistente?
Por que criamos deuses se somos pó?
Andar de mãos dadas em público.
Escrever sonetos alexandrinos.
Amar com palavras de conforto.
Amar com gestos de símio.
Quando será que nada mais será sensação?
Quando o breu será meu irmão?
Quando os passos irão para a distância?
Quando nunca mais haverá verão?
Ter conta em banco exclusivo.
Falar idiomas com sorriso.
Usar os pronomes com exatidão.
Lembrar de datas particulares.
Quem enxerga o que eu não sou?
Quem iniciou a mentira?
Quem revelou a verdade?
Quem abriu a boca e se comunicou?
Calcular os passos com precisão.
Almoçar com máscara e não sujar de macarrão.
Escolher nomes para os que virão.
Ler a mente alheia e responder de prontidão.
O que justifica a lua?
O que se faz em nome do infinito?
O que é a morte?
O que sou?
E tudo que ela me pede
é que eu acaricie suas costas,
antes de dormir sorrindo.
E responde todas as perguntas,
mesmo as que ainda não fiz.
segunda-feira, agosto 01, 2011
Paisagem
Sentado em uma mesa de bar,
contando minhas pílulas da felicidade,
sabendo de antemão,
que as horas se passam em vão,
que os risos movidos pelo álcool,
e as mãos que se entrelaçam,
logo irão acordar para o dia,
e para a vida que chamamos de real.
Saio em direção a lugar nenhum,
pois aonde vá sempre encontrarei,
um espelho que possa reconhecer,
a imagem que criei de mim,
forjado em mentiras vaidosas,
e palavras que encontro,
quando sinto meu ventre rastejar pelo chão.
Amanhã ou depois,
e ainda depois,
e mais um pouco (ou muito, sabe-se lá)
usarei as palavras que venho treinando,
como um cão que recebe seu osso após um salto.
Encontro-as entre o intervalo do sorriso sem sentido,
e dos cálculos mentais de quanto me renderão.
Aprendi com as mãos calejadas e os pés em sangue,
que o que sou não importa.
O quanto sonhei e o quanto quis que tudo
fosse feito entre soluços de um coração apaixonado,
pelo Outro, por algo que fizesse mais sentido,
do que a propaganda que passa na televisão,
nesse exato momento.
Bonitos. Sorridentes. Felizes?
E o que é a felicidade, afinal?
Eu, que li e leio páginas amareladas de sons distantes,
que já rezei tantos nomes,
e comprei alguns cristais,
e tentei de todas as formas entender a roda do mundo,
não saberia responder qual a equivalência entre o que se chama de felicidade,
e um olhar que honestamente tente me confortar.
Olho o relógio tentando segurar os ponteiros de forma mental,
quem sabe? roubar do tempo e do mundo o que resta:
essa mesa, essas mãos entrelaçadas.
Mas o ponteiro é como o arauto prometido,
disfarçado e cantando entre diversas religiões,
que nunca prometeram arrancar de nós,
o vício pelas lágrimas alheias,
e a satisfação em sentir que os outros sçao outros.
Mas o amanhã é logo ali,
e entre a dissimulação e a sinceridade,
sei que agrada a todos a segunda:
somos vaidosos de sentirmos que
outros se esforçam para nos enganar,
já que afinal, não entenderíamos ninguém mesmo,
se usassem de palavras que significassem a verdade.
Verdade? enquanto a minha paisagem são meus pés,
contorcendo-se para cavar a própria cova,
outros olham para si,
satisfeitos de saberem que,
depois de amanhã,
o que restará é o nada e que somos todos
seu pai, sua mãe e seu filho.
contando minhas pílulas da felicidade,
sabendo de antemão,
que as horas se passam em vão,
que os risos movidos pelo álcool,
e as mãos que se entrelaçam,
logo irão acordar para o dia,
e para a vida que chamamos de real.
Saio em direção a lugar nenhum,
pois aonde vá sempre encontrarei,
um espelho que possa reconhecer,
a imagem que criei de mim,
forjado em mentiras vaidosas,
e palavras que encontro,
quando sinto meu ventre rastejar pelo chão.
Amanhã ou depois,
e ainda depois,
e mais um pouco (ou muito, sabe-se lá)
usarei as palavras que venho treinando,
como um cão que recebe seu osso após um salto.
Encontro-as entre o intervalo do sorriso sem sentido,
e dos cálculos mentais de quanto me renderão.
Aprendi com as mãos calejadas e os pés em sangue,
que o que sou não importa.
O quanto sonhei e o quanto quis que tudo
fosse feito entre soluços de um coração apaixonado,
pelo Outro, por algo que fizesse mais sentido,
do que a propaganda que passa na televisão,
nesse exato momento.
Bonitos. Sorridentes. Felizes?
E o que é a felicidade, afinal?
Eu, que li e leio páginas amareladas de sons distantes,
que já rezei tantos nomes,
e comprei alguns cristais,
e tentei de todas as formas entender a roda do mundo,
não saberia responder qual a equivalência entre o que se chama de felicidade,
e um olhar que honestamente tente me confortar.
Olho o relógio tentando segurar os ponteiros de forma mental,
quem sabe? roubar do tempo e do mundo o que resta:
essa mesa, essas mãos entrelaçadas.
Mas o ponteiro é como o arauto prometido,
disfarçado e cantando entre diversas religiões,
que nunca prometeram arrancar de nós,
o vício pelas lágrimas alheias,
e a satisfação em sentir que os outros sçao outros.
Mas o amanhã é logo ali,
e entre a dissimulação e a sinceridade,
sei que agrada a todos a segunda:
somos vaidosos de sentirmos que
outros se esforçam para nos enganar,
já que afinal, não entenderíamos ninguém mesmo,
se usassem de palavras que significassem a verdade.
Verdade? enquanto a minha paisagem são meus pés,
contorcendo-se para cavar a própria cova,
outros olham para si,
satisfeitos de saberem que,
depois de amanhã,
o que restará é o nada e que somos todos
seu pai, sua mãe e seu filho.
domingo, julho 24, 2011
O mesmo
Ao nascer do sol, ouviu-se os gritos das crianças que iam à escola: “Tem uma mulher morta no matagal”. Bastou a palavra “morta” gritada menos com terror do que excitação, para colocar todo o bairro de pé. Aos solavancos, almas que se contorciam penosamente em busca de mais alguns segundos no calor e na segurança do lar, puseram-se de pé, e correram para fora. Não que fosse alguma novidade a morte, ou a morte ali próxima, mas era um ritual religiosamente cumprido por todos, sem qualquer raciocínio.
O vigia, que estava abandonando seu posto, mudou de direção: ia se atrasar, mas tinha que saber do que se tratava. As mesas de café não foram postas para que se conseguisse um lugar privilegiado, mais próximo possível do corpo, mas não tanto que se pudesse tocá-lo. Barbas deixaram de ser feitas e alguns já visualizavam duas reações: o atraso no trabalho incitaria uma bronca, mas o relato do fato transformaria isso em algo menor.
As crianças corriam e jogavam suas pastas e cadernos para o alto e ninguém se importava. Era até bonito: o sol erguia-se num céu limpo, azul, azulzinho, sem nenhuma nuvem e pincelava com mãos fortes de tom laranja largas faixas cor-de-ouro. O cheiro do sereno secando nas folhas, deixava um leve aroma de hortelã e mamona. As vozes eram baixas, respeitosas, ininterruptas no entanto. Soavam à romaria, com seus tons lamentosos e profundos.
O corpo era de uma jovem, devia ter no máximo 16 anos: branquinha, pele bem lisinha, cabelos lisos e claros, quase beirando o branco. Todos notaram como seus cílios eram longos e bem cuidados. Estava com um vestido bonito, escuro e despida de sua calcinha, que borboletava pendurada numa árvore. Parecia um anjo, mas em torno de seu pescoço notava-se marcas roxas de mãos e seus lábios não tinham cor alguma. Também estava com marcas de mordidas na orelha. De resto, era muito bonita.
Os que estavam na frente, tinham que firmar os pés para não serem empurrados contra o corpo. Ficavam alguns segundos, murmuravam alguma coisa e davam lugar para os que vinham atrás. Estranho balé, cercado pelas crianças que decidiram que era uma boa hora para uma disputa de bola. E o dia se alongou. Passou uma hora, duas horas e vai-e-vem, alguns já tinham se aproximado três vezes. Quando iam para o fundo da multidão, enchiam-se de voz brava e diziam “que mundão, matar dessa maneira”. Outros reclamavam que era sempre ali que apareciam os corpos e ninguém tomava providência.
Depois, a novidade foi passando e alguém notou que a polícia ainda não tinha chegado. Já era quase meio-dia, mais de quatro horas depois que o corpo fora encontrado. Começaram alguns a apostar quanto tempo demoraria para que as autoridades chegassem. Da última vez, chegaram antes da uma da tarde, mas alguém se lembrou da vez que duas crianças mortas passaram quase dois dias ali, e tiveram que ficar espantando urubus. Ninguém saia dali: era uma boa desculpa, infalível, para justificar o atraso, como já dito. Tinham que ouvir o relatório da polícia, dada às pressas, entre alguns minutos de agacha-levanta em torno do corpo, geralmente o mesmo: assassinato. Mas ninguém arredava e aproveitavam para colocar as conversas em dia, reclamar atrasados, convidar para batizados, prometer de novo o que nunca se cumpria. As vozes iam se erguendo, misturadas a disputa ferrenha no jogo ao lado, e ao dia já a todo vapor em torno.
Sempre o mesmo.
E o mesmo também quando a velha, que ninguém nunca perguntou o nome e só o que sabiam era mais enredo de janela do que fato, trouxe o velho lençol branco bordado com lantejolas prateadas e pôs sobre o corpo. Daí, todos se lembraram de abaixar a cabeça, rezar e mandar aos diabos as crianças que adoravam essa cena em particular e cantavam em sintonia: “Ema, ema, ema, cada um com seus problemas”.
domingo, julho 17, 2011
Desde ( )
Ela levantou-se do tatame, com a barriga doendo e todos os ossos do corpo pedindo que parasse, mas algo, uma imagem, palavras de carinho, uma frase de pára-choque de caminhão que parecia uma mensagem divina, trinta anos de luta contra a opressão masculina e patriarcalista, fizeram-na levantar e voltar para a posição de luta no tatame. Não seria derrotada por um outro homem qualquer, alguém que não tinha seu nível intelectual, nem sua criação e nem um sobrenome impronunciável no sistema fonético local.
Desde que terminara seu namoro, construído com viagens a lugares paradisíacos, aulas de pompoarismo, roupas exóticas, almoços em família, revistas de decoração de ambientes campestres, planos e cronograma feito meticulosamente em planilha Excell, sentira-se roubada de um mundo que seria seu por direito legal e econômico.
Afinal, era loira, tinha todos os dentes, fizera uma operação corretiva no nariz, fazia exercícios com regularidade, estava doutorando-se em Letras, sabia discutir com certa profundidade noções de mito, construção de verossimilhança e teoria da recepção, além de contar ótimas piadas. Também conhecia vinhos californianos e sabia distinguir Monet e Manet.
Colocou os pés em posição no tatame e respirou fundo, mentalizando as opções que tinha de golpe e dizendo para si mesma que era geneticamente, instruidamente, socialmente, e estava na moda, muito superior àquele homem alto, cheiro forte, mãos calejadas e pele escura. Golpearam-se.
Á noite, gritou o nome do seu oponente, entre gemidos que mais pareciam o ganir de um cachorro e entendeu finalmente o que Nietzsche dizia sobre a dança, o que Darwin dizia sobre o gene, e , principalmente, porque sentia-se sempre uma peça de quebra-cabeça sem jogo para montar.
sexta-feira, julho 08, 2011
História sem nexo
A noite era por demais silenciosa para que houvesse gritos. Mas haveria lágrimas. Haveria palavras bem construídas, emplastros em forma de abraços, desejos sinceros de que a estrada estivesse sem perigos. Mas são as lágrimas que contam a história:
_ Não sirvo para ti.
_ Ninguém serve.
_ Sirvo ainda menos pois sei que sirvo somente para mim, e mal dou conta do que sou.
_ Nunca te pedi.
_ Todo o teu ser: teus olhos, teus suspiros, teu sorriso. Eles me pediram. Não posso te dar.
_ Então, adeus.
Mas a noite era mais real do que as palavras podem recriar e as lágrimas também. Elas pedem a realidade do chão, a rudeza da dor e não um esteticismo cruel:
_ Acho que não vai rolar mais...
_ O que aconteceu?
_ Sei lá, nem eu sei direito..mas não tá rolando...
_ O que você quer de mim?
_ Nada, só quero que você seja feliz.
_ Então, adeus.
Não há história sem um nó, nem relato sem emoção. Mas há ainda a história das lágrimas, que aqui serão contadas entre outras, pintadas de palavras que fingem que compreendem mas se assustam quando se pronunciam:
_ Não chore...eu queria que as coisas fossem diferentes. Que eu fosse diferente. Que o mundo fosse diferente. Mas o que sou só te levará, sempre, para essa mesma fala que dirás no fim...
_ Qual fala?
_ Que sou só um reflexo pálido e fugidio de possibilidades que escureço com minhas próprias mãos.
_ Nunca falaria isso...só não entendo o que aconteceu.
_ Aconteceu o que acontece todos os dias e continuará acontecendo sempre: queremos saber que seremos velados por alguém que viu nosso rosto sem máscaras.
_ Eu vi teu rosto.
_ Você viu o que eu quis que você visse: alguém melhor, um projeto que nunca levaria à cabo, uma intenção sincera com ausência de vontade verdadeira.
_ Então é assim? Adeus?
_ É...
_ Nem vai mentir pra mim? Dizer algo pra aliviar essa dor?
_ Um dia você vai entender...eu não entendo, só reproduzo algo que os milênios insistem em gravar.
(Lágrimas. Verdadeiras. De alguma forma divinas. Irmãs da nossa patética força divina em acreditar em algo além de nós)
_ Preciso ir...
_ Não vá...
_ Eu vou...
....
O silêncio diz: és só um reflexo pálido e fugidio de possibilidades que escureces com tuas próprias mãos.
O sol chegando diz: mas nunca saberás, como nunca saberemos.
_ Não sirvo para ti.
_ Ninguém serve.
_ Sirvo ainda menos pois sei que sirvo somente para mim, e mal dou conta do que sou.
_ Nunca te pedi.
_ Todo o teu ser: teus olhos, teus suspiros, teu sorriso. Eles me pediram. Não posso te dar.
_ Então, adeus.
Mas a noite era mais real do que as palavras podem recriar e as lágrimas também. Elas pedem a realidade do chão, a rudeza da dor e não um esteticismo cruel:
_ Acho que não vai rolar mais...
_ O que aconteceu?
_ Sei lá, nem eu sei direito..mas não tá rolando...
_ O que você quer de mim?
_ Nada, só quero que você seja feliz.
_ Então, adeus.
Não há história sem um nó, nem relato sem emoção. Mas há ainda a história das lágrimas, que aqui serão contadas entre outras, pintadas de palavras que fingem que compreendem mas se assustam quando se pronunciam:
_ Não chore...eu queria que as coisas fossem diferentes. Que eu fosse diferente. Que o mundo fosse diferente. Mas o que sou só te levará, sempre, para essa mesma fala que dirás no fim...
_ Qual fala?
_ Que sou só um reflexo pálido e fugidio de possibilidades que escureço com minhas próprias mãos.
_ Nunca falaria isso...só não entendo o que aconteceu.
_ Aconteceu o que acontece todos os dias e continuará acontecendo sempre: queremos saber que seremos velados por alguém que viu nosso rosto sem máscaras.
_ Eu vi teu rosto.
_ Você viu o que eu quis que você visse: alguém melhor, um projeto que nunca levaria à cabo, uma intenção sincera com ausência de vontade verdadeira.
_ Então é assim? Adeus?
_ É...
_ Nem vai mentir pra mim? Dizer algo pra aliviar essa dor?
_ Um dia você vai entender...eu não entendo, só reproduzo algo que os milênios insistem em gravar.
(Lágrimas. Verdadeiras. De alguma forma divinas. Irmãs da nossa patética força divina em acreditar em algo além de nós)
_ Preciso ir...
_ Não vá...
_ Eu vou...
....
O silêncio diz: és só um reflexo pálido e fugidio de possibilidades que escureces com tuas próprias mãos.
O sol chegando diz: mas nunca saberás, como nunca saberemos.
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