domingo, julho 17, 2011

Desde ( )

            Ela levantou-se do tatame, com a barriga doendo e todos os ossos do corpo pedindo que parasse, mas algo, uma imagem, palavras de carinho, uma frase de pára-choque de caminhão que parecia uma mensagem divina, trinta anos de luta contra a opressão masculina e patriarcalista, fizeram-na levantar e voltar para a posição de luta no tatame. Não seria derrotada por um outro homem qualquer, alguém que não tinha seu nível intelectual, nem sua criação e nem um sobrenome impronunciável no sistema fonético local.
            Desde que terminara seu namoro, construído com viagens a lugares paradisíacos, aulas de pompoarismo, roupas exóticas, almoços em família, revistas de decoração de ambientes campestres, planos e cronograma feito meticulosamente em planilha Excell, sentira-se roubada de um mundo que seria seu por direito legal e econômico.
            Afinal, era loira, tinha todos os dentes, fizera uma operação corretiva no nariz, fazia exercícios com regularidade, estava doutorando-se em Letras, sabia discutir com certa profundidade noções de mito, construção de verossimilhança e teoria da recepção, além de contar ótimas piadas. Também conhecia vinhos californianos e sabia distinguir Monet e Manet.  
            Colocou os pés em posição no tatame e respirou fundo, mentalizando as opções que tinha de golpe e dizendo para si mesma que era geneticamente, instruidamente, socialmente, e estava na moda, muito superior àquele homem alto, cheiro forte, mãos calejadas e pele escura. Golpearam-se.

            Á noite, gritou o nome do seu oponente, entre gemidos que mais pareciam o ganir de um cachorro e entendeu finalmente o que Nietzsche dizia sobre a dança, o que Darwin dizia sobre o gene, e , principalmente, porque sentia-se sempre uma peça de quebra-cabeça sem jogo para montar. 

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