terça-feira, julho 05, 2011

Apanhadores no campo das palavras

  O olhar precedeu o toque. O toque precedeu o som. O som precedeu a palavra. Esta, libertou-se e percorreu os séculos. Voou de uma noite estrelada e fria, em que a aproximação garantiria a sobrevivência, ou como agradecimento de alguma caçada bem-sucedida, em que o alimento compartilhado ganhava outra imagem. Nunca se saberá. Libertou-se e foi, pelos séculos, revestir-se de outros sons e outros significados, tentando ser sempre o mesmo.

 Foi proferido por todos: religiosos, combatentes, mães, filhos, déspotas, assassinos, heróis. Cumpriu sua jornada, ecoando nos salões de palácios, rezada pelas abóbodas de igrejas, protegeu as paredes de casebres, pôs pão na mesa dos tristes. Universal, sua semente múltipla dizia o mesmo dizendo de formas distintas. Individual, a cada vez era renovada pelos lábios que a proferiam.

 Viajou de boca-em-boca, como alento diário. Foi cantada, como supremo tema. Escrita, como última promessa. Fotografada, como ato inesperado. Filmada, como boneca vestida. E foi se tornando comum. Encontrada em qualquer parte, em qualquer vocabulário. Perdeu-se, no seu uso, o uso original. Significa muito. Significa nada.

 É o resgate da sua origem que traduz-se o viver em dois: é encontrar, entre milhares de iguais, aquela. A mesma que significou sobrevivência e agradecimento. Entre milhões de imagens, a única que interessa: o olhar. Entre milhões de sons, entre milhões de toques, o mesmo que precedeu a origem. Buscamos com mãos ávidas, perdidos como quem apanha num campo imenso e infindável, palavras sem conteúdo. Buscamos, em dois, pois talvez seja só duas mãos que possam descobri-la, a palavra amor. E encontrá-la será despi-la de toda e qualquer maquiagem que os séculos, os espaços, os usos, os meios, insistem em ocultá-la de sua verdadeira semente: um olhar, um toque, um som.

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