domingo, março 13, 2011

Diálogo

  Esperou que ela dormisse para se levantar. Cuidadosamente, tirou seus braços debaixo, dela, que se aninhava como um ser indefeso. E era. Naquele momento, ela estava indefesa. De olhos fechados, cabelos loiros caindo pelos ombros, expressão suave, ela era apenas um corpo inerte. Sem ruídos e agitações, ele conseguiu manejar sua fuga até a cadeira mais próxima. Acendeu um cigarro e ficou olhando, entre o admirado e enternecido pelo olho bom e entre o cético e o sarcástico pelo olho ruim. "Dorme como um anjo". "Espere que acorde e você verá que ao fim, sempre há uma fresta para escapar".

 Entre uma baforada e outra: " Poderia ser feliz aqui, ao lado dela. Há paz, afinal..." "Paz é para os bovinos. E a única real é a conquistada, não a sorteada..." Ela mexeu-se um pouco e ele soltou uma baforada bem densa para o alto: " Ela é muito doce e esforça-se para entender-me. raro. Muito rara. " "Espere e verá que logo ela entenderá o quanto você se sujeitou à exclusão e confortou-se." Levantou-se e ligou baixinho o rádio. Tocava "No Surprise" do Radiohead. Sorriu com a coincidência.

 "Sorri mais nesses dias do que em anos. Senti-me novamente com energia para conseguir sair da frente do computador". "Empolgação. Há-de passar, como tudo". Decidiu levantar-se e olhar pela janela. Céu coberto de nuvens escuras, vozes distantes aprontando o cotidiano, um pássaro passou voando sem alterar a rota. Pensou consigo mesmo sobre as rotas da vida e suas curvas. Ela respirou um pouco mais alto.

 Olhou, sentindo-se um assassino. Olhou em volta e viu a porta, a chave e a maçaneta. Seria só alguns passos  e estaria de volta para seu mundo, sua fortaleza, sua cova tão profundamente cavada. Ficou alguns segundos encarando-a. Ela sorriu. Devia estar sonhando. Olhou de volta para a porta. Sentou-se e ficou encarando-a. Sentindo a música tocar, o leve ar do espaço compartilhado se encher de uma expectativa, o relógio alongar-se propositalmente.

 Colocou as mãos no rosto, tentando tampá-lo. No movimento, viu: foi ele que tinha levado as mãos ao rosto. Foi seu movimento, sua escolha, sua energia. Fez novamente. Levantou os dois braços, alternadamente. Mexeu os dedos. Começou a mover os pés e, sentado na cama, a balançá-los, como fazia quando era criança e sentava-se no banco do balanço. Sentiu-se encher de uma força que parecia perdida. Ela acordou com tanta movimentação, e numa voz angelical e sedosa, perguntou-lhe: "Você está bem?"

 Ele abraçou-a. Deixou que uma lágrima escorrendo até um sorriso fosse sua resposta.

2 comentários: