quarta-feira, novembro 10, 2010

Os passantes

O que amamos não é uma projeção de nossas necessidades ou nossas supostas qualidades, e afinal, uma imagem que nunca poderá ser ela-mesma e somente um momento fugidio? Baudelaire com Une Passante, não mostrou essa necessidade humana de transformar o etéreo em matéria, o transcendente em próximo, o Cronos em Kairós? E ao fazer, ao captar aquele momento e saber que nunca mais o teria, paradoxalmente não criou um fetiche sobre um objeto, que nesse caso é a própria desesperada tentativa de congelar a imagem? Dessa forma, aquele eu-lírico sentado burguesamente na cidade da velocidade é o mesmo homem que lucra com o tempo e com a tal velocidade? Assim, somos todos o eu-lírico de Une passante, na medida que entendemos nossa existência somente com os dados objetivos, que tornam-se universais somente enquanto mensuráveis. Assim, nenhum de nós, sem a consciência da "doença da imagem", é esse eu-lírico, pois tentaríamos correr atrás da imagem, tomá-la nos braços, colocar uma aliança em seus dedos e exigir que seu corpo físico dure o máximo possível próximo à imagem que críamos e captamos dele. Quando começasse a envelhecer, iríamos novamente nos sentar ao café, esperando pela próxima imagem fugidia que nos levasse distante da nossa própria: em franca decadência e sempre menos valiosa aos outros do que é a nós.Quem passa somos nós, nesse mundo que o corpo biológico ganhou anos e as ações e seus valores tornaram-se contáveis e cambiáveis, dependendo do valor do dólar. Passamos e ninguém nos vê. Não temos um eu-lírico nos observando, nos salvando e nos justificando além do tempo da ampulheta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário