quinta-feira, outubro 14, 2010

Os mineiros

Trinta e três mineiros ficam preso numa mina de carvão, há mais de duzentos metros da superfície. Apertados, quase sufocados, já esperando o momento em que o instinto começará a falar mais alto e eles disputarão no palitinho quem será a próxima ceia,quando uma broca consegue furar um minúsculo buraco e passar um cabo. Surpresa do mundo é o fato de eles estarem vivos, já que o desmoronamento deu a impressão de ter matado a todos. Logo, toda a população do local e de outros se mobiliza. Chega uma câmera e um microfone, para se comunicarem. Se faz chegar comida, água. Eles pedem bebidas e cigarro. Os médicos não recomendam, temendo exaurir o oxigênio da minúscula caverna que sustenta toneladas de terra. São informados que terão que aguardar alguns meses antes do resgate ser possível. É uma operação delicada, temerosa, pois qualquer movimento mais brusco pode fazer com que o teto desabe. Durante dias o mundo assiste aquela espécie de teatro ao vivo. Eles fazem graça. Às vezes um ou outro chora e confessa-se às câmeras, como se estivesse dentro de um confessionário. Descobre-se seus gostos. Seus times de futebol. Seus amores. A resistência que demonstram, de carne e alma, torna-se exemplo de superação humana, de sociabilidade. Acompanha-se seus dias como se olhassem-se para santos redivivos.Um intelectual proclama que é a alegoria da história da humanidade: a vitória do homem sobre a natureza. O maquinário humano, antes inimigo, como salvação contra a natureza revoltada. Outro diz que são os próprios homens na Caverna de Platão e sairão de lá com uma visão de si e do mundo que poderá ser reveladora à humanidade. Surpreende a harmonia, sem disputas pela diminuto espaço, sem vaidades. A imagem deles passa a ser televisionada para o mundo, 24 horas por dia. Algumas casas colocam suas fotos nas paredes, ao lado de papas e ex-presidentes. Alguns colocam imagens religiosas, e ouve-se que outros colocam copos de água perto da imagem, seja ela de um televisor ou de um monitor, e que tal água estaria curando doenças. A movimentação para libertá-los atinge proporções bíblicas. Nações, empresas, indivíduos oferecem dinheiro, ajuda, rezas. Alguns, desesperados, tentam cavar com as próprias mãos mas são detidos, pelo temor do perigo do desabamento.
Uma escavadeira, tempos depois, consegue chegar até eles, levando uma cápsula que os tirará, um a um, de dentro da mina. O mundo para, observando, torcendo os lábios, franzindo o cenho, murmurando palavras de esperança. A cápsula desce, lentamente, com dificuldades, batendo com certa preocupação no buraco cavado. No entanto, chega até eles. O primeiro entra e é puxado, lentamente. Uma operação que dura trinta minutos. O mundo prende a respiração, até que este casulo liberte finalmente os presos. Teme-se que o cabo se rompa e toda a operação seja um desastre. Quando a cápsula aparece as pessoas do mundo inteiro se abraçam, gritam vivas. Ouve-se, por toda parte, pedidos de desculpas, de casamento, promessas de projetos. A porta se abre lentamente, e o homem sai, de óculos escuros para não ferir a vista. Todas as câmeras, todos os microfones, todos os corações esperam pelas primeiras palavras. Tem-se a impressão que o vento para, o mar para, os pássaros não voam. Ele, lentamente abre a boca e diz: "Alguém vai ser processado pelos meus advogados". E Deus ri.

Um comentário:

  1. Hollywood fará um filme sobre os mineiros. Quem interpretará o chileno que foi recebido pela amante? Como para Holltwood todos os latinos são iguais, aposto em dois nomes: Gabriel GArcia Benal e Rodrigo Santoro.

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