terça-feira, fevereiro 15, 2011

Retinas tristes

    2011 começou irmanado com minha alma: lento, nublado e com cheiro de desnecessário misturado com naftalina. Também alguns pequenos dramas, para variar envolvendo pessoas que nunca escutam quando dizemos que ninguém deveria se apegar a ninguém, e que se há um projeto em minha vida, é tornar-me ou um robô ou um bêbado. Ou um robô-bêbado. E os olhares, que estavam quase esquecidos, à fórceps emocional, de meus pais.
   Algumas vezes, entre um riso de fato sincero, vejo nos lábios de meu pai um sentimento de culpa que me machuca mais do que se fosse puro ódio. Minha mãe já desistira de mim bem antes de eu sair de casa, o que já faz um bom tempo. Os comentários dela, aos berros, com aquela alma insuspeitamente italiana ou de quem está ficando surdo, sempre me divertiram. Ela parece compreender que a concepção de mundo dela e o meu são tão divergentes que não mais se incomodam.
  A culpa de meu pai vive num silêncio respeitoso, mas às vezes, principalmente quando se tira a poeira da prataria e se assa um pernil, o silêncio torna-se um fantasma entre nós, cuidando de construir um muro de ausências. Nosso abraço é quase precedido de pronomes de tratamento arcaicos: "Vossa Mercê está bem de saúde?" Construiu-se um buraco invisível que nos traga, irremediavelmente, esperando apenas que a definitiva ausência liberte dali um monstro.
 Feito de sonhos de infância, de roupas brancas e títulos. De respeitabilidade perante os outros. Ele acha que eu seria mais feliz assim e se culpa de não ter me provido disso. Mal sabe que ele me proveu de seus olhos tristes quando mentíamos ou aprontávamos alguma. Poucas vezes bradou. Sempre abaixou os olhos. E me castigou na alma, sem o querer.

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   A primeira resolução foi simples: em algum momento, dizer como seu exemplo me foi melhor do que qualquer outro gesto. Me fez uma pessoa socialmente respeitável, responsável e aparentemente bem-resolvida. Até irei sorrir. Tenho medo do buraco vencer.

  A segunda resolução também: dizer, em algum momento, para minha mãe, que ela sempre me divertiu, o que é mais do que quase todas as pessoas que passaram pela minha vida. E ninguém faz feijão como ela. E que eu lembro de um carrinho que ela comprou, e quase quebrou na minha cabeça, quando eu, criança, empaquei aos choros defronte a uma loja, longe de casa. Vou dizer que lembro só do carrinho e ocultar que lembro de sua raiva.

 A terceira nem tanto: minha suposta auto-suficiência irá incluir o sexo oposto, no sentido literal. Não tem compensado o esforço. Ou seja, rumo ao projeto robô. ou bêbado.

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  Sinto minha fraqueza ao saber que não cumprirei nenhuma dessas resoluções e viverei nessa inércia que me atrai como uma sereia sedutora e infalível, rumo às rochas, vento em popa.

2 comentários:

  1. Um belissímo texto e, incrivelmente, de teor pessoal. Espelhos são foda mesmo!

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  2. Hoje notei que, há dias, tenho sido insistente. Incomum isso. Insistência não deriva em mim.

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