sábado, fevereiro 19, 2011

Alegorizar-se

 O que penso de mim tem o crivo da minha fraqueza. Não mais me serve olhar ao espelho e ter o amigo que impede o discurso inútil. O discurso que, ao fim, já sabe-se elíptico, é só uma copo de uísque e baforadas satisfeitas de si. Inúteis, cancerosas. O jogo de fingir-se Outro nunca funciona pois a biologia do gene que ama o gene que ama o gene só para continuar sendo gene, me impede de levar às últimas conseqüências as manhãs sem ar, sem som e sem luz.

 O Outro nos lembra daquilo que não somos e do que não queremos ser, mas também nos distrai de nós mesmos. Minotauro lúdico, nos labirintos que construímos sem qualquer possibilidade de volta, o Outro nos seduz com o discurso do olhar para fora. Assim, nessa trama que construímos dentro e fora, a confusão de achar que nossa fraqueza, nossa indisposição de ir-se, nossa carne amolecida, serão curadas, transforma-se em verbo profano fazendo-se sagrado.

  Alegorizar o simples é outra forma de fingir-se dentro quando estamos mesmo é fazendo sombra-fora: gritamos ao largo, chutamos uma porta, batemos a palma na mesa, percorremos o corpo de uma mulher; exercitamos, enfim, o exercício de aqui-agora estar-se. Alegorizamos, construímos camadas e camadas de palavras e sons para distrair, tal qual o minotauro, aquele outro que tem de fato o conhecimento profundo de quem somos: nada mais do que a palmada estalada na madeira; o grito que se perde no eco do vazio; o olhar que embebe-se de corpo.

 

 

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